Sky Chronicles

Local de introspecção de um ser humano igual, mas ao mesmo tempo diferente, de todos os outros. Refugio sagrado de ideias e pensamentos de um alter ego ke dá pelo nome de Skymaze.

domingo, abril 15, 2007

Silêncio dos Náufragos

Silêncio dos Náufragos

ela e eu
“Imagina tu como são as coisas”, dizia ela.
“São aquilo que são”, dizia eu com essa voz emprestada a Sartre.
“Não concordo”. Ela nunca concordava. “As coisas são como não podiam ser de outra maneira”, dizia ela.

ela
“Imagina tu como são as coisas. Quando partiste, fiquei a olhar-te até chegares ao fim da rua e virares à esquerda. Fiquei ali sentada a lembrar-me de ti de uma forma que Intercalava a raiva e o desejo”, pensava ela.

ela, novamente
“Queria dizer-te uma coisa que nunca te disse. Não vem a propósito. Quando ficas em silêncio apetece-me quebra-lo e dizê-lo, assim, sem mais. Tenho medo de não conseguir dizer-te senão outra coisa, que também tenho para te dizer e nunca te disse porque te conduziria ao engano. Digo, então, para nos aliviar, uma coisa qualquer. Acho que no fundo já te disse... Disse, disse. Sem querer, por outras palavras. Tu não ouviste. Não quiseste ouvir. Não achaste necessário prestar atenção ou responder. É isso. É uma coisa para te dizer depois”, pensava ela.

eu e ela
“Escreve-me uma carta”, dizia eu.
“Uma carta?”, perguntava.
“Sim. Para me dizeres o que queres dizer e não dizes”, explicava eu.
“Digo devagarinho”, dizia ela.

ela
Fecho os olhos e vejo-te. Vens a mim quando te não quero. Há coisas que se não devem querer. Tu és uma delas”, pensava ela.

eu
“Agora já não há segredos. E ela não disse nada”, pensei eu.
No dia em que a vi pela última vez, ela trazia na mão um cigarro apagado.
“Queres este cigarro?”, perguntou.
Ela nunca dizia o que tinha a dizer. Dizia sempre outra coisa qualquer. Aliás sabia perfeitamente que eu não fumava. Eu li nos seus olhos tristes uma outra frase:

“Trago-te o cigarro que não fumámos juntos e o silêncio dos náufragos”.